terça-feira, 25 de setembro de 2007

Os pêssegos do Sr. Júlio




Falo de barriga cheia. No bairro lisboeta onde moro não falta comércio. Sou mesmo um privilegiado. Ao lado do meu prédio tenho um Pingo Doce aberto todos os dias até às 21h00. Não é dos maiores, mas, como se calcula, serve todas as minhas necessidades.

Mesmo no meu prédio tenho uma mercearia. Confesso que nunca olhei para o nome inscrito no toldo, porque todos por aqui a tratamos pelo nome próprio: "Sr. Júlio". É fácil perceber que o grosso das compras faço-as no prédio ao lado, no sítio do costume. Mas a fruta, ah a fruta!, não há como a do senhor Júlio. É mais cara? É, mas é muito melhor. O Sr. Júlio, que não me conhece desde pequenino, e com quem convivo apenas vai para dois anos, sabe bem do que gosto. "Vizinho, já cá tenho aqueles pêssegos de roer que tanto gosta", "olhe que chegou o requeijão de Seia", "Amanhã há leitão de Negrais, mesmo de Negrais". O Sr. Júlio sabe do que gosto e eu, confesso, gosto desta familiaridade. Gosto da broa de milho verdadeira, cortada à fatia, gosto das garrafas de litro e meio de água gelada saídas do frigorífico, gosto dos molhos de grelhos de couve e gosto de saber que mesmo que a porta já esteja fechada, o Sr. Júlio ma abre para satisfazer qualquer necessidade de última hora. Gosto do Sr. Júlio, pronto. Porque ele é profissional e atencioso, porque ele não se lamenta da existência de mais uma merceraria a 15 metros e de um Pingo Doce a 10. Gosto dele porque, apesar de saber que vende mais caro, preocupa-se em ter legumes e fruta fresca.

O Sr. Júlio é aquilo a que se convencionou chamar o "comércio tradicional". Mas nem por isso se lamenta. Tem quatro postos de trabalho, incluindo o seu. E tem a vizinhança toda a comprar-lhe lá fruta. A mesma que também vai ao Pingo Doce. Ou seja, o Sr. Júlio continua de portas abertas porque apesar das "grandes superfícies" procura distinguir-se (nos) pela qualidade. Para mim, o Sr. Júlio é um exemplo para todos os outros pequenos comerciantes do "comércio tradicional". Mesmo David's, não deviam ter medo dos Golias. Mas têm. E preferem a lamúria à dedicação.


É essa uma das razões que me faz achar um absurdo que, desde 1996, as "grandes superfícies" estejam fechadas ao domingo. Num mercado livre e concorrencial é o consumidor que deve decidir. Vem este post à baila a propósito da entrada hoje na Assembleia da República de uma petição assinada por 250 mil portugueses que pede a aberturas das "grandes superfícies" ao domingo. A mim ninguém ma deu para assinar, mas se a vir, boto lá a minha assinatura. Porque me vai dar imenso jeito, mesmo tendo um Pingo Doce à porta. E, sobretudo, porque me dá a capacidade de escolha. Eu quero escolher não me apetecer ir ao Continente ou ao Feira Nova a um domingo. Não quero continuar a querer ir e não me deixarem. Mas, recordo, eu sou um privilegiado. O meu Pingo Doce nunca fecha. E não há pêssegos como os do Sr. Júlio...

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu cá gosto mesmo é dos pessegos carecas!

Anónimo disse...

já percebi que és tão consumista como eu... viva os hipers abertos ao domingo!
JP