sábado, 13 de outubro de 2007

RTP versus Rodrigues dos Santos




As coisas nunca são a preto e branco. Procurar a razão nos extremos pode ser muito corajoso, mas nem sempre é justo. A propósito da crise na RTP, provocada pelo "caso José Rodrigues dos Santos", tenho para mim que nenhuma das parte tem a razão absoluta do seu lado. Defendo obviamente a liberdade de opinião do pivô da RTP, mas percebo bem o argumento da administração sobre o dever de lealdade de um alto quadro para com a sua empresa. Vamos, pois, por partes.

1. No essencial, na entrevista à Pública, José Rodrigues dos Santos não conta, no que aos factos diz respeito, nada de novo em relação ao que disse em 2004, que levou ao seu pedido de demissão.O que difere, isso sim, é o tom em que é dito. E continuam estranhas as razões que levaram o pivô a desenterrar este caso, uma vez que, ao que parece, o Público não lhe fez quaisquer questões sobre a matéria (ver, a propósito, a nota da direcção editorial do jornal, sobretudo o ponto 2, aqui)

2. A forma como o Pública titula a entrevista, e a grande chamada de primeira página que faz à entrevista na Pública, é profissionalmente desonesta. Sei, por experiência própria, como por vezes é difícil titular e sintetizar ideias num título, mas escrever "A administração da RTP passa recados do poder político" não é, seguramente, igual nem a síntese do que foi originalmente dito: "Falo na interferência da administração na área editorial. As minhas conversas com os governos, PS ou PSD, foram quase inexistentes. Na minha experiência, os governos contactam as administrações e depois estas passam, ou não, os recados."

3. No dia seguinte, José Rodrigues dos Santos, em entrevista na última página do DN, reitera o que disse à Pública, não revela qualquer desacordo nem insatisfação como o trabalho saiu publicado. Seria normal, se houvesse algum desacordo, que o jornalista aproveitasse para se demarcar do que saiu escrito. Isso não aconteceu.

4. O comunicado da administração da RTP, emitido terça-feira, é de uma violência inaudita, com passagens de extremo mau gosto: em quatro momentos trata Rodrigues dos Santos -que foi duas vezes director de Informação da empresa e o rosto mais popular da Informação da RTP, como "empregado", em vez de utilizar a palavra "quadro"; a referência ao dinheiro que não deixou de ganhar; a alusão ao incumprimento de horários, etc. Além disso, à falta de provas levanta ainda insinuações sobre alegadas motivações secretas do pivô para ressuscitar o caso três anos depois dos factos.

(ver aqui comunicado e entrevista)


Sejamos claros: José Rodrigues dos Santos até pode ter motivações secretas que o motivaram a dar esta entrevista, mas um comunicado de um conselho de administração deve resumir-se a factos. Na ausência de certezas, uma administração deve ficar calada, sob pena de entrar no jogo das mensagens dissimuladas que parece querer atacar.
Por outro lado, porém, se Rodrigues dos Santos não se deu ao trabalho de desmentir publicamente o Público (hoje em dia bastava um telefonema para a Lusa, a demarcar-se da entrevista e a esclarecer a sua posição, que facilmente faria chegar uma notícia minutos depois às redacções de todos os órgãos de comunicação...), é porque aparentemente está de acordo com o que ali está expresso.
Ora, apesar de Rodrigues dos Santos ter direito à sua opinião, tem de ter consciência que não é um qualquer quadro da RTP. Foi duas vezes director de Informação, é um dos apresentadores do principal espaço de informação do canal, aliás, o mais visto pelos portugueses. Rodrigues dos Santos bem pode dizer que não tem qualquer intervenção editorial no que lê. As classes A/B sabem bem o que isso quer dizer. Mas a maioria dos portugueses que o vê às 20.00, não. Para essa maioria, Rodrigues dos Santos é a cara da RTP naquele momento. É ele que está a dizer aquilo, independentemente de poder ter sido escrito ou sussurado por outro. Ou seja, há, pois um dever de reserva a que Rodrigues dos Santos, em minha opinião, deve obedecer. Ou então, sendo coerente com o que fez em 2004, recusa-se a apresentar o Telejornal, por não querer ser porta-voz de recados do poder. Ao não o fazer, Rodrigues dos Santos prefere navegar em dois mares: por um lado, é a cara da RTP, beneficiando do protagonismo que isso lhe confere, até para as suas actividades extra-profissionais, por outro lado coloca em causa o bom nome da empresa.

Foto: DN

Sem comentários: